LEMINSKI, A FOLHA E EU
Os valentes do GRAFATÓRIO lançam nessa sexta à noite em Sampa A HORA DA LÂMINA, livro-homenagem que recupera os últimos oito textos publicados por Paulo Leminski em vida. Foram publicados na Folha de Londrina quando eu editava o CADERNO 2, numa de minhas passagens pelo jornal. Lendo o livro me dei conta que fui o último editor do Leminski – e suas páginas me levaram de volta àquele dia triste quando a noticia do internamento do Paulo chegou na redação.
Fui pra casa triste, acordei de madrugada em meio a uma crise de choro convulso (primeira e única na minha vida) e voltei de manhã ao jornal já sabendo que escreveria o obituário de meu poeta preferido desde sempre. Na contracapa publiquei a noticia (“Morreu de tanto viver”) e na capa um poema seu em página inteira:
parem eu confesso
sou poeta
a cada dia que nasce
me nasce uma rosa na face
Entre as décadas de 70 e 80 dos anos 900 fazíamos na Folha de Londrina um dos melhores entre os cinco grandes cadernos culturais da imprensa brasileira. Criado por mim e pelo cartunista Jota, o Caderno 2 substituiu com um caderno completo o antigo Arte&Comunicação, que era uma página só dedicada à cultura. Foi nessa página que surgiu a primeira crítica ao “Catatau” quando foi lançado o livro, em 1975, assinada pela editora de artes do jornal, Joana Lopes. Foi ali também que, assistente de Joana, menino de 17 anos ganhei do Leminski um exemplar de seu “Não Fosse Isso e Era Menos, Não Fosse Tanto e Era Quase”, seu primeiro livro de poemas, bancado por ele mesmo. As relações de Paulo Leminski com o jornal vinham de longe, seja por suas diversas amizades com autores londrinenses ou porque sempre abríamos espaço nas páginas do jornal pras coisas que ele fazia num tempo em que não era conhecido nacionalmente ainda.
Naquele 1989, como editor me ocupei de preencher uma lacuna no jornalismo de Londrina – a ausência de cronistas locais falando do cotidiano da cidade como só as crônicas podem fazer. Trouxe para crônicas diárias os repórteres da casa, craques como Edson Vicente, Nelson Capucho, João Arruda, Walmor Macarini, Jota Oliveira – todos tornados Cronistas de Londrina. Na época a Folha avançava no mercado curitibano, quem dirigia a sucursal na Capital era o Toninho Macarini, a quem convenci a ter um cronista de Curitiba que explicasse para o leitor do norte a vida e os costumes daquele povo culturalmente tão diferente de nós. Foi Toninho quem fez a contratação, nunca soube em que bases. Falei com Leminski sempre por telefone, nunca nos encontramos. Explicava a ideia da coluna pra ele. Ao fim e ao cabo, Leminski escreveu o que quis, do jeito que quis e da maneira que quis – o que, claro, foi ótimo.
A reunião das últimas crônicas em livro artesanal foi um trabalho selvagem. O jornalista Felipe Melhado vive fuçando as coleções de jornais antigos, é um apaixonado por noticia velha – como seu parceiro de projeto, Tony Hara, amigos queridos. O GRAFATÓRIO é uma Vila Cultural focada nas artes gráficas, o lugar rescende tipografia antiga. Os meninos e meninas que tocam o projeto do PROMIC recuperam velhas impressoras, são apaixonados por tipos móveis e fizeram o livro assim, letra a letra. Depois costuraram as páginas e as capas a mão. Por isso, fizeram apenas 300 exemplares – e por isso também não sobrou livro pra lançar em Curitiba, o que ia ser lindo. Além dos oito textos-ninja, como Leminski chamou, um tesão de ensaio de Felipe Melhado esclarece o contexto e amplia nosso olhar sobre a obra do poeta.
Relendo as últimas crônicas minha reação foi igual a quando eu lí “Não Fosse Isso…” – espanto deslumbrado. Felipe foi na veia: os textos, lidos em sequência, indicam uma espécie de testamento. Leminski foi pra morte como veio pra vida: instigando, provocando, seduzindo. Publicitário, seu ultimo texto sobre propaganda é um acerto com o marketing e a infantilização dos desejos. Roqueiro, decreta a morte do rock como potencia transformadora. E vai assim, desmoronando os mitos – não tem chororô ali, só vontade de fazer.
Prá mim, batendo na trave dos 60 anos, me emociona ver o Leminski revelar uma possibilidade de velhice criativa neste mundão em que com o passar dos anos os poetas vão virando babacas – conservadores, medrosos, encostando nas academias. “Parem eu confesso sou poeta//Só o amor é meu Deus//Sou o seu profeta”. Viva Leminski.